Art. 83-B do Decreto nº 12.189/2024: Multas Elevadas e Imprescritibilidade na Reparação de Danos Ambientais

O novo art. 83-B do Decreto nº 12.189/2024 impõe multas que podem alcançar R$ 50 milhões para quem deixar de reparar ou compensar danos ambientais dentro do prazo. Além disso, a reparação de danos ambientais torna-se imprescritível, refletindo a seriedade com que o ordenamento jurídico brasileiro trata a preservação ambiental.

Análise do Novo Art. 83-B: Reparação e Imprescritibilidade dos Danos Ambientais

O art. 83-B, incluído no Decreto nº 6.514/2008 pelo Decreto nº 12.189/2024, representa um avanço significativo na responsabilização ambiental. Ele estabelece que deixar de reparar, compensar ou indenizar um dano ambiental dentro do prazo estipulado pela autoridade competente, ou implementar a reparação de forma inadequada, acarretará uma multa que pode variar de R$ 10.000,00 a R$ 50.000.000,00.

Art. 83-B. Deixar de reparar, compensar ou indenizar dano ambiental, na forma e no prazo exigidos pela autoridade competente, ou implementar prestação em desacordo com a definida: (Incluído pelo Decreto nº 12.189,de 2024)

Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). (Incluído pelo Decreto nº 12.189, de 2024)

O art. 75 da Lei nº 9.605/1998 estabelece os limites gerais para multas ambientais, com valores entre R$ 50,00 e R$ 50.000.000,00, e prevê que essas multas devem ser corrigidas periodicamente. Portanto, a multa do art. 83-B, ao atingir o teto de R$ 50.000.000,00, se insere dentro desse espectro legislativo, sendo uma das sanções mais severas previstas na legislação ambiental​​.

Ainda mais importante é o parágrafo único do art. 83-B, que determina que a pretensão à reparação, compensação ou indenização de danos ambientais é imprescritível. Essa imprescritibilidade assegura que o tempo não é capaz de extinguir a obrigação de reparar o meio ambiente danificado, uma característica que reflete a gravidade e a natureza contínua dos danos ambientais.

Exemplo

Suponha que uma empresa agrícola foi autuada pelo IBAMA por desmatamento ilegal em área de preservação permanente, conforme o art. 43 do Decreto nº 6.514/2008​. A multa aplicada foi de R$ 50.000,00 por hectare, de acordo com os critérios previstos no Decreto, considerando a extensão do desmatamento e a gravidade da infração.

Ao ser multada, a empresa também foi notificada para reparar os danos ambientais, com a obrigação de reflorestar a área degradada. No entanto, a empresa ignorou essa ordem e não implementou as medidas de recuperação exigidas dentro do prazo estabelecido.

Neste ponto, entra o art. 83-B do Decreto nº 12.189/2024. Como a empresa deixou de cumprir sua obrigação de reparar o dano ambiental, agora ela enfrenta uma nova penalidade: uma multa adicional que pode variar entre R$ 10.000,00 a R$ 50.000.000,00, aplicada pelo IBAMA devido ao descumprimento da obrigação de reparação ambiental​​.

Imprescritibilidade vs. Prescrição: Art. 83-B vs. Art. 21

O conceito de imprescritibilidade estabelecido no art. 83-B deve ser analisado em contraste com o art. 21 do mesmo decreto, que prevê que a ação da administração pública para apurar infrações ambientais prescreve em cinco anos. Conforme o art. 21, o prazo de prescrição começa a correr da data da prática do ato infracional ou, em caso de infrações permanentes ou continuadas, da data em que a infração cessar.

Essa prescrição de cinco anos se refere ao poder da administração de lavrar o auto de infração e iniciar o processo sancionatório. Em contrapartida, o art. 83-B, parágrafo único, não trata da imposição de sanções administrativas, mas sim da obrigação de reparação do dano ambiental. Ou seja, mesmo que a capacidade da administração de punir o infrator com multas ou outras sanções administrativas prescreva após cinco anos, a obrigação de reparar o dano causado ao meio ambiente permanece indefinidamente.

Constituição Federal de 1988 e o Princípio da Reparação de Danos Ambientais

O fundamento para a imprescritibilidade da reparação de danos ambientais pode ser encontrado no art. 225, § 3º da Constituição Federal de 1988, que estabelece que as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitam o infrator a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano causado. Essa disposição constitucional deixa claro que a reparação do dano ambiental é uma obrigação autônoma e contínua, que persiste independentemente da aplicação de outras sanções.

A imprescritibilidade da reparação de danos ambientais se alinha com a proteção intergeracional do meio ambiente, um princípio fundamental do direito ambiental brasileiro, que visa assegurar que os recursos naturais sejam preservados tanto para as presentes quanto para as futuras gerações. Se a reparação dos danos ambientais fosse prescritível, abrir-se-ia uma brecha perigosa para que infratores escapassem de sua responsabilidade ao longo do tempo, deixando danos ambientais irreparados que poderiam impactar várias gerações.

A Relação Entre a Prescrição da Ação Administrativa e a Imprescritibilidade da Reparação

Na prática, o art. 83-B e o art. 21 coexistem de maneira complementar. Enquanto o art. 21 limita o prazo em que a administração pública pode impor sanções administrativas (como multas ou suspensão de atividades), o art. 83-B garante que a obrigação de reparar o dano causado ao meio ambiente não será extinta com o passar do tempo.

Essa distinção é fundamental para assegurar que o infrator, mesmo após o esgotamento do prazo de prescrição para sanções administrativas, continue obrigado a corrigir os impactos causados ao meio ambiente. A reparação, neste contexto, não é vista como uma punição temporal, mas como uma medida necessária para restaurar o equilíbrio ecológico.

Debate sobre a Validade do Parágrafo Único do Art. 83-B

A imposição da imprescritibilidade da reparação de danos ambientais, conforme estabelecido no art. 83-B, parágrafo único, é juridicamente válida e compatível com o ordenamento constitucional brasileiro. A Constituição Federal não só estabelece o dever de reparar os danos causados ao meio ambiente (art. 225, § 3º), como também reconhece que o meio ambiente é um bem de uso comum e essencial à qualidade de vida das gerações presentes e futuras.

O princípio da imprescritibilidade em questões ambientais segue a lógica de que o meio ambiente, por ser um bem de uso comum, não pode ser tratado como uma questão meramente patrimonial ou sujeita aos prazos ordinários de prescrição. A degradação ambiental, especialmente quando não reparada, pode gerar consequências irreversíveis, tornando a reparação necessária a qualquer tempo.

Ademais, o entendimento doutrinário e jurisprudencial, tanto no Brasil quanto em diversas legislações internacionais, tem reconhecido que a proteção ambiental exige um tratamento diferenciado em comparação com outras esferas do direito. O caráter difuso e coletivo do direito ao meio ambiente justifica a adoção de medidas mais rígidas, como a imprescritibilidade, para assegurar que as responsabilidades por danos ambientais não se diluam com o tempo.

Como o IBAMA Calcula Multas Ambientais: Entenda os Critérios para Definir os Valores

A dosimetria da multa do art. 83-B do Decreto nº 12.189/2024, que trata de infrações ambientais graves, é comumente mal compreendida, principalmente no que tange à aplicação de valores elevados, como os R$ 50 milhões, que parecem ser arbitrários ao senso comum. Contudo, a aplicação dessa multa segue critérios legais rígidos, conforme orientações detalhadas no Decreto nº 6.514/2008 e na Instrução Normativa nº 19/2023​​.

O que é a multa “aberta”?

A multa “aberta” (art. 6º, V, da IN 19/2023) não tem valor fixo determinado e deve ser dosada conforme limites legais. No caso do art. 83-B, o valor pode variar de R$ 10.000,00 a R$ 50.000.000,00, dependendo de uma série de fatores. O IBAMA, ao aplicar essa multa, não pode fazê-lo arbitrariamente; deve observar critérios objetivos como:

  • Gravidade da infração: Analisada com base nos impactos causados ao meio ambiente e à saúde pública​.
  • Capacidade econômica do infrator: Empresas maiores ou infratores com maior poder financeiro recebem multas proporcionais​​.
  • Reincidência e circunstâncias agravantes: O histórico de infrações e agravantes, como a destruição de áreas protegidas, aumentam o valor​.

Quadro de dosimetria

A IN 19/2023, em seus quadros e anexos, especifica como o agente deve aplicar a dosimetria das multas. Por exemplo, o Quadro 1 classifica as infrações conforme a gravidade dos danos ambientais (pequeno, médio e grande porte), enquanto os Quadros 2 a 4 indicam como a capacidade econômica do infrator interfere na dosagem​.

Não há arbitrariedade

O art. 83-B exige que o agente autuante e o IBAMA fundamentem a aplicação da multa com base nesses parâmetros, considerando tanto a natureza da infração quanto a capacidade de pagamento do infrator. Se houver fatores atenuantes (como cooperação) ou agravantes (como dolo ou negligência continuada), a multa será ajustada conforme essas circunstâncias.

Além disso, a multa imposta está sujeita à revisão por uma autoridade superior, o que impede que o valor seja aplicado ao “bel prazer” do agente. Portanto, a aplicação da multa dentro do limite máximo de R$ 50 milhões só ocorrerá em infrações de maior gravidade, e todo o processo é regulado para garantir que a penalidade seja proporcional e justa​​​.

Conclusão

O art. 83-B introduz uma medida contundente no arcabouço normativo brasileiro, garantindo que o infrator que não reparar ou compensar o dano ambiental estará sujeito a multas severas, que podem chegar a R$ 50 milhões. Além disso, a imprescritibilidade da obrigação de reparar o meio ambiente reflete o compromisso do Estado brasileiro com a proteção ambiental intergeracional, assegurando que o dever de restaurar o meio ambiente persista indefinidamente.

Essa medida é, sem dúvida, necessária e juridicamente coerente com o princípio da reparação integral de danos ambientais, consagrado pela Constituição Federal. Ao diferenciar a prescrição de sanções administrativas e a imprescritibilidade da reparação, o Poder Executivo reforça a ideia de que o tempo não pode ser um fator que exima o infrator de sua responsabilidade com o meio ambiente.

Flávio Monteiro Napoleão

Advogado OAB/PI 9.068

www.napoleao.adv.br

Referências Bibliográficas

1.Brasil. Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008.

Dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 jul. 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6514.htm. Acesso em: 25 set. 2024.

2.Brasil. Decreto nº 12.189, de 20 de setembro de 2024.

Altera o Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 set. 2024. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Decreto/D12189.htm. Acesso em: 25 set. 2024.

3.Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 set. 2024.

4.Brasil. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 fev. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm. Acesso em: 25 set. 2024.

5. Brasil. Instrução Normativa nº 19, de 2 de junho de 2023. Regulamenta a aplicação de sanções administrativas ambientais e a dosimetria de multas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 jun. 2023.

6. Brasil. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm. Acesso em: 25 set. 2024.

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